quinta-feira, 8 de abril de 2010

Chuvas no Rio de Janeiro e uma enxurrada de absurdos




As chuvas e as consequências catastróficas em decorrência do volume recorde de água que caiu sobre o estado do Rio de Janeiro mobilizaram todos nós.
A tragédia é ainda mais grave para os que ficaram desabrigados, morreram ou perderam seus familiares nos inúmeros deslizamentos de terra que atingiram a população que vive em regiões de encostas.
E quem é essa população?
Ora, é a população mais pobre, que vive em favelas,  sobre o solo lodoso que encobre as formações rochosas dos morros agudos da cidade maravilhosa.
Pois bem. Em momento de dor, luto, necessidade de apoio e ação rápida dos governos, eis que o que aparece na TV? O rosto alterado e visivelmente irritado do governador Sérgio Cabral, um exemplo de "delicadeza" e "elegância" em suas falas já famosas em relação aos pobres. Questionado sobre os deslizamentos no morro da Mangueira, esbravejou que as pessoas soterradas é que optaram por ocupar áreas de risco, sendo extremamente irresponsáveis e imprudentes ao morarem em encostas como aquela. Em um lampejo de lucidez, disse que a responsabilidade é do governo, sim - para imediatamente despejar uma avalanche de asneiras, ao completar a frase: "Nós devemos ser firmes e proibir a ocupação descontrolada dessas áreas. Quando construí os muros da Rocinha e do Santa Marta, disseram `Ah, o Sérgio Cabral construiu o muro da segregação`, mas agora estão vendo: eu construí tais muros para evitar tragédias como essa. Está na hora de agirmos radicalmente contra isso, sermos mais severos".
Horas depois, houve um deslizamento em frente à casa de Luma de Oliveira (ex-casa de Eike Batista), no mesmo morro do Santa Marta. As fundações da quadra de tênis ficaram totalmente expostas.
E aí perguntamo-nos: o que o governador teria a dizer a respeito disso? Por que ali não construiu muros? Por que não disse nada sobre a irresponsabilidade de construir ali?

Sérgio Cabral apenas faz aumentar o asco que facilmente sente-se por ele. Em plena tragédia, com corpos soterrados na lama, é capaz de culpar os mortos - os pobres.
A feliz surpresa foi ver Arnaldo Jabor, milagrosamente, fazendo uma fala EXCELENTE a respeito disso. Acesse aqui o link para assistir ao vídeo. Ele diz tudo.


Fonte da imagem: http://www.charge-o-matic.blogger.com.br/



LANÇAMENTO DA CARTILHA POPULAR SOBRE ABORDAGEM POLICIAL NO SANTA MARTA




No último dia 18 de março, o CDDH, através do CEAV, com moradores do Santa Marta e outros parceiros  (Justiça Global, Visão Favela Brasil, Grupo ECO, Instituto de Defensores de Direitos Humanos), Presidência da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ, ASW-Açao Mundo Solidario, Anistia Internacional) estiveram lançando a Cartilha Popular sobre Abordagem Policial no Santa Marta. O lançamento foi ótimo, com a presença de autoridades importantes, da imprensa, militantes e moradores. Na mesma semana, no sábado, houve a festa do lançamento, com rappers "crias" do morro e convidados, como os companehiros da APAFunk. O microfone aberto marcou uma tarde e noite de celebração à vida.


 



Esse trabalho é fruto de um ano inteiro de reuniões e oficinas na comunidade a respeito dos Direitos Humanos. E não se esgota na Cartilha. A questão da relação com a polícia entra em análise num momento extremamente importante e delicado: em dezembro de 2008, a Polícia Militar do Rio de Janeiro ocupou o Santa Marta, através da implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora. O que, à primeira vista, seria uma estratégia interessante e garantidora de direitos, ao longo do tempo foi se mostrando problemática e reprodutora da velha relação agressiva e opressora da polícia com moradores de favela. Diversos casos de excessos cometidos pelos PMs evidenciaram que a estratégia do governo de inserir primeiramente a polícia para supostamente pacificar a comunidade e, só depois, implementar políticas públicas de saúde, educação, moradia, etc, definitivamente não é a melhor saída. Ao contrário, é justamente a afirmação daquilo que alguns de nós já estamos cansados de saber: ao Estado interessa controlar, conter, inibir, coibir, ordenar aquilo que é desviante,  diferente, insurgente, revoltoso - a saber, a população pobre. 
As UPPs (e não só no Santa Marta...) têm sido instrumento, quando não de humilhação (ou, para usar palavras mais claras, esculachamento), de censura e controle das expressões culturais da favela, silenciamento dos moradores, produção do medo, homogenização de modos de vida, moralizando e modelando, sutil e perversamente tais existências de acordo com um modelo burguês, hegemônico, dominante. Rodas de funk têm sido proibidas, festas de rap têm sido cortadas, pagodes interrompidos, moradores têm sido obrigados a revistas desrespeitosas e totalmente vexatórias (e, consequentemente, ilegais). Estamos, muitos defensores de direitos humanos, moradores do STM e de outras comunidades, acompanhando tais casos, buscando publicizar essa história que não é veiculada pela grande mídia (que não cessa de enaltecer as UPPs) e compondo forças para problematizar tal política. 
A Cartilha do Santa Marta já está na mão dos moradores e inclusive já aparecem os seus primeiros efeitos através da reação da polícia, em alguns novos casos de abusos. Mas o que deve ficar claro é que a Cartilha de maneira nenhuma é um ataque à polícia ou a à UPP: nela, contém rigorosamente o que um policial pode ou não fazer, isto é, apenas informa sobre o que é legal. Algumas cartilhas, inclusive, foram entregues a alguns soldados no dia do lançamento. A próxima etapa é fazer uma entrega oficial do material à Capitã Priscila, que comanda a UPP na comunidade. É a possibilidade de diálogo para que as iniciativas do Estado não tomem os moradores de favelas como objetos, e sim como sujeitos de suas histórias e das políticas públicas que querem.
O trabalho apenas começou.
Estamos juntos, Santa Marta!