terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adesão à Campanha "CUMPRA-SE" - Sentença do Caso Araguaia na Corte IDH


Texto publicado no blog do Coletivo RJ, do qual o CEAV faz parte:


Adesão a Campanha "CUMPRA-SE", pelo Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça

Em 13/12/2011, no marco do período de 1 ano após a publicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso que julgou as violações perpetradas pelo Estado brasileiro no âmbito da repressão à Guerrilha do Araguaia, o Coletivo RJ aderiu ao movimento CUMPRA-SE de iniciativa do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, para pressionar o Governo Brasileiro pelo cumprimento integral da sentença.

Na ocasião, foi feito um movimento de distribuição de folhetos informativos sobre a campanha no Aeroporto Santos Dumont e uma manifestação pública do Coletivo RJ, em evento na OAB-RJ para o lançamento do livro 'Desafia o nosso peito', de Adail Ivan de Lemos.





Neste sentido, o Coletivo RJ torna pública a seguinte manifestação de apoio:

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CUMPRA-SE
O Estado brasileiro precisa CUMPRIR INTEGRALMENTE a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia!

Há trinta anos, famílias de presos políticos pedem explicações à justiça brasileira sobre o paradeiro de seus filhos, irmãos, maridos, esposas, e pais que foram vítimas de desaparecimento forçado pelo aparato repressivo do Estado no combate à guerrilha do Araguaia.

Em 1982 as famílias entraram na justiça com uma ação civil buscando saber o paradeiro de seus familiares, as circunstâncias dos desaparecimentos e os respectivos responsáveis. Como não houve resposta alguma, os familiares em 1995, recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, por sua vez, encaminhou o caso para a Corte Interamericana. Enquanto isso, em 2003, a justiça brasileira expediu a sentença da ação civil, condenando o Brasil a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, no prazo de 120 dias, o local do sepultamento desses militantes, o que até hoje não ocorreu.

A Corte Interamericana julgou o caso internacional e condenou o Brasil, em novembro de 2010 pelos desaparecimentos forçados dos membros da Guerrilha do Araguaia e pela falta de investigação e responsabilização dos envolvidos. A sentença diz claramente que a Lei de Anistia de 1979, está em contradição com a jurisdição internacional de direitos humanos quando impede que os torturadores e assassinos da ditadura sejam julgados.

Em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e reconheceu, em 1998, como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É grave: se o Estado brasileiro não cumpre a lei, que autoridade terá para pedir aos brasileiros que a cumpram?

O Coletivo RJ pela Memória, Verdade e Justiça entende que é indispensável o cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Estado brasileiro para esclarecer o que ocorreu com os mortos e desaparecidos políticos, para romper com a impunidade dos crimes da ditadura, fazer justiça e fortalecer a democracia. 


CUMPRA-SE
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2011                 coletivorj@rededemocratica.org
                                                                                                       www.coletivorj.blogspot.com

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Esboços para desempedrar

 
Em tempos de recolhimento e internação compulsórios de crianças e adolescentes em situação de rua que são usuários de drogas, não só o Rio de Janeiro (sede dos megaeventos esportivos que estão por vir) mas também várias regiões do país estão debatendo a questão do álcool e outras drogas.


A afirmação anterior seria totalmente verdadeira, não fosse por alguns detalhes...


Um deles é o fato de que não só crianças e adolescentes, mas também adultos têm sido alvo do Choque de Ordem instituído pela Prefeitura do Rio de Janeiro e têm denunciado arbitrariedades e abusos ocorridos nessas "operações".
Outro é que nem todos são usuários de drogas, mas mesmo assim são retirados à força das ruas, sob pretexto de que têm "direito à saúde e à vida", quando tais direitos não podem ser hierarquizados acima do direito à liberdade - sem falar no modo unilateral de entender o que é "saúde" e "vida": será que têm o mesmo sentido para os gestores destas "políticas" e para seu "público-alvo"?
O terceiro deles é que o foco do debate tem sido muito menos o "alcool e outras drogas" e muito mais o tenebroso, medonho, fatal, terrível, destruidor, inevitavelmente viciante vilão "crack".


Que bom seria se, efetivamente, estivéssemos discutindo para além do crack, o álcool e outras drogas, expressão que dá nome ao eixo da saúde pública que se preocupa com o uso que se faz deles. Não à toa, a expressão foi posta dessa forma e designa diferentes dispositivos do SUS com esse foco: a custo de anos de luta, pesquisas e debate chegou-se a este nome, que estrategicamente dá visibilidade aos efeitos do tão banalizado álcool, colocando-o ao lado de drogas ilícitas e também das lícitas. Não quero aqui (e nem é intenção desses movimentos da saúde) imprimir um tom moralista à questão do uso de substâncias psicoativas; não se trata de dizer que todas são condenáveis, intoleráveis, e que não se deve "nem pensar" nelas. Ao contrário, deve-se pensar, mais do que nelas, em como as temos utilizado: todas, e não uma única eleita como grande culpada de todo o mal de uma cidade ou de um país - como o crack e a campanha que um dos maiores jornais do país liderou, sob o lema alienante no próprio nome: "Crack, nem pensar".


No entanto, isso parece ser difícil, e segue-se concentrando discursos e políticas em torno do nefasto vilão. Recentemente, o Conselho Federal de Psiclogia lançou o "Relatório da 4ª inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas", que revela diversas violações de direitos humanos que ocorrem nas cada vez mais numerosas Comunidades Terapêuticas. Dentro de alguns dias, será lançado um plano nacional de Enfrentamento ao Crack (vejam ele de novo, como personagem principal) pela presidenta Dilma, cujo investimento prioritário, segundo relatos, serão as mesmas Comunidades Terapêuticas. E o eixo do SUS "álcool e outras drogas", que já prevê acúmulo, metodologias e dispositivos territoriais de enfrentamento ao crack (dentre as outras drogas?) E as diretrizes da Redução de Danos, que nunca de fato chegaram a ser ampla ou suficientemente difundidas, fortalecidas, multiplicadas e de certa forma até aceitas em muitas regiões, apesar de terem sido construídas em anos de trabalho? Sem falar, é claro, numa preocupante vontade de internação e encarceramento, tão em voga no fim do século XVIII e início do XIX que agora parece retornar, atravessada nos discursos manicomiais que recuperaram um fôlego - esperamos que curto e derradeiro... 


Na esteira de eventos que vão aparecendo mais e mais nesse campo de disputa de sentidos, recebi por email a divulgação de um evento cujo título era algo como "Drogas: prevenção e ressocialização"...
Só o nome já diz muito: RESSOCIALIZAÇÃO? Então o usuário já está "excluído"?

Foucault é que problematiza o próprio conceito de exclusão, apontando como os considerados "excluídos" (vidas infames?) estão incluídos - e de forma bastante estratégica e funcional - em uma engrenagem que tanto os produz quanto prescinde deles para seguir funcionando... as vidas desviantes, fugidias, revoltosas, sujas, indomadas, descartáveis são constantemente alvo de desejos e enunciados (cheios de boas intenções) de pedidos de correção, cura, solução, ajustamento, tutela, controle, limpeza, apaziguamento, pacificação, opacificação, docilização... "ressocialização". Quando já são efeito e base do social.


E drogas? Quando vamos falar de medicalização da infância com as receitas e indicações de Ritalina por toda parte? E da medicalização dos 80% de jovens que ingressam no sistema socioeducativo no Rio Grande do Sul (e que vem se tornando tendência em outros estados)? E da banalização dos medicamentos psiquiátricos que adultos têm tomado cada vez mais, em resposta à intolerância aos estados melancólicos, depressivos ou mesmo de mínimo sofrimento?
Quando vamos falar de como esses "sintomas do contemporâneo" são produzidos, mas, indo mais além da pop psicanálise, de como temos lidado com eles?
Quando vamos discutir (essa duríssima e árdua tarefa) a respeito de apanhar o sofrimento com as mãos, e durar nele?
Quando vamos conversar sobre o pegar nossas vidas nas mãos, nos perguntarmos o que temos feito delas e, quiçá, fazer algo diferente daquilo que temos (re)produzido?


A questão da droga não é uma questão do crack. A questão da droga tampouco é uma questão de quem mora nas ruas. A questão do uso de drogas é uma questão do mundo, e por isso estamos todos implicados. Não como culpados nem como vítimas, mas como co-produções e co-produtores.
Apenas quando desempedrarmos essa lógica repressiva e paliativa poderemos efetivamente produzir pausa necessária e pensamento ativo. Só assim deixaremos de buscar o alívio e o prazer imediatos das mais toscas práticas de exclusão para suportar a difícil prática de realmente cuidarmos de nós mesmos - e, quem sabe assim, fazermos de nossas vidas obras de arte.