quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A gestão precária dos desastres naturais




A mais badalada estação do ano chegou e com ela uma vez mais presenciamos as fortes chuvas que assolam diversas regiões do país, dentre elas a Região Serrana fluminense. Argumentando em favor de uma força descomunal da natureza e da ocupação irregular de morros e encostas, os governos em todas suas instâncias tiram o corpo da jogada. Desresponsabilizando-se do processo histórico governamental, o qual configura o descaso para com as políticas de gestão do solo, prevenção de desastres e habitação, as atuais gestões legitimam o discurso de culpabilização das populações atingidas, em sua grande maioria de rendimentos irrisórios e desassistidas pela gestão precária das políticas públicas. 

O Ceav está atuando nos trabalhos de mobilização solidária aos atingidos pelas chuvas junto ao CDDH, instituição a qual estamos vinculados e que está atuando nos bairros afetados em Petrópolis, e no debate em torno de tal problemática, a exemplo da nossa participação nesta semana em um dos programas da Rádio Santa Marta [futuramente constará aqui no blog um nova postagem da nossa visita à rádio].

Valorizamos intensamente o trabalho emergencial que tem sido realizado por um extensa gama do voluntariado, mas acreditamos fundamentalmente que o trabalho de atendimentos à população durante o processo de reconstrução dos municípios deve ser impulsionado através de políticas públicas, construindo uma rede efetiva de saúde e assistência social que possa dar conta das diversas demandas da população.

Para uma análise mais detalhada da questão, deixamos abaixo dois textos publicados no blog [http://raquelrolnik.wordpress.com/] da urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.


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Modificar o modelo de ocupação das cidades brasileiras ainda é possível

Em mais uma entrevista sobre as chuvas e as tragédias das últimas semanas, desta vez para a Agência Brasil, novamente falei da importância da gestão do solo e da necessidade de mudança do modelo de desenvolvimento urbano e da lógica de organização das nossas cidades. Confiram abaixo.

Obras emergenciais não são suficientes para cidades castigadas pelas chuvas, diz especialista

Luana Lourenço*
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A tragédia que atingiu os municípios da região serrana do Rio de Janeiro é resultado da má gestão do solo urbano e pode continuar a se repetir se não houver mudanças estruturais na política de planejamento das cidades. O alerta é da professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Raquel Rolnik.

Na avaliação da urbanista, que é relatora especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada, apesar de necessários a curto prazo, os investimentos em obras emergenciais não são capazes de evitar a repetição de desastres.

“Vamos ver prefeitos e governadores anunciando obras, como em todos os anos. E exatamente porque o problema não é esse, as coisas continuarão exatamente como estão. A solução não é a obra, é a lógica de organização das cidades”, disse ela.

De acordo com Raquel, as cenas da última semana em Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, que já foram vistas em Angra dos Reis, em 2010, e em Santa Catarina, em 2008, revelam falhas históricas e estruturais na ocupação de territórios.

“As imagens não mudam porque o modelo de desenvolvimento urbano e a lógica de organização das cidades não mudou. Falta haver uma política para que os municípios tenham, de fato, um planejamento urbano que parta principalmente da gestão do solo”, afirmou Raquel.

Quando se fala em planejamento urbano no Brasil, segundo a urbanista, a pauta é definida basicamente do ponto de vista da construção de obras, e não leva em conta a gestão adequada do solo. As consequências são conhecidas: ocupação de várzeas de rios e construções em encostas de morros, que deveriam servir para amortecer os impactos dos fenômenos climáticos.

“Também falta uma política que controle a expansão ilimitada horizontal das cidades, que é o modelo predominante e que vai impermeabilizar tudo, desmatando tudo, provocando erosão, que vai causando assoreamento e diminuindo o leito dos córregos e dos rios”, disse Raquel.

Segundo Raquel, modificar o modelo de ocupação das cidades brasileiras ainda é possível, mesmo em áreas consolidadas. “Na história das cidades há aquelas que se reinventaram radicalmente, e mais de uma vez. Mas, para isso, é preciso romper com o modelo. E a ruptura não é uma questão técnica, é uma questão política.”.

*Colaborou Marina Bosio

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A gestão e o planejamento do solo parece que não fazem parte da política urbana no Brasil

Ontem à tarde participei do Jornal da Globo News, novamente falando sobre a questão das chuvas. O vídeo está disponível aqui.

A apresentadora Leilane Neubarth começou a entrevista me perguntando o que pode ser feito para mudar essa situação. Segue abaixo a transcrição do trecho inicial:

Essa tragédia tem a ver com o fato de que a ocupação do território se dá de forma completamente negligente. No fundo nós estamos construindo cidades sem nenhuma consideração em relação à vulnerabilidade dos espaços. E quando se fala nisso, imediatamente, as pessoas pensam: “mas por que é que esse povo foi morar em área de risco?”.

Nós precisamos entender que não foi dada nenhuma oportunidade para que os moradores urbanos brasileiros pudessem se instalar num local com qualidade, urbanidade e segurança. Na verdade, a maior parte das nossas cidades foi autoproduzida por seus moradores nos piores lugares, que são os lugares mais baratos, já que o salário dos trabalhadores brasileiros jamais foi suficiente pra cobrir o custo da moradia numa área adequada.

Mas essa tragédia na região serrana do Rio de Janeiro está mostrando que não são só os bairros populares irregulares e autoconstruídos que estão sujeitos a esse tipo de problema. Nós vimos condomínios de luxo desabando, instalados em áreas inadequadas.

E isso leva a uma outra questão, que é a gestão do solo urbano. E esse é um problema ainda não tocado. Fala-se em política de habitação, em construção de casas, em saneamento, em obra disso e daquilo, em dinheiro para isso e aquilo, mas a gestão e o planejamento do solo é um assunto que parece que não faz parte da agenda de política urbana no Brasil.

A gestão é precária e os efeitos disso é o que nós estamos vendo agora, e que se repete todos os anos e vai continuar se repetindo se esse modelo e essa lógica não for superada.


 

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