terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adesão à Campanha "CUMPRA-SE" - Sentença do Caso Araguaia na Corte IDH


Texto publicado no blog do Coletivo RJ, do qual o CEAV faz parte:


Adesão a Campanha "CUMPRA-SE", pelo Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça

Em 13/12/2011, no marco do período de 1 ano após a publicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso que julgou as violações perpetradas pelo Estado brasileiro no âmbito da repressão à Guerrilha do Araguaia, o Coletivo RJ aderiu ao movimento CUMPRA-SE de iniciativa do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, para pressionar o Governo Brasileiro pelo cumprimento integral da sentença.

Na ocasião, foi feito um movimento de distribuição de folhetos informativos sobre a campanha no Aeroporto Santos Dumont e uma manifestação pública do Coletivo RJ, em evento na OAB-RJ para o lançamento do livro 'Desafia o nosso peito', de Adail Ivan de Lemos.





Neste sentido, o Coletivo RJ torna pública a seguinte manifestação de apoio:

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CUMPRA-SE
O Estado brasileiro precisa CUMPRIR INTEGRALMENTE a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia!

Há trinta anos, famílias de presos políticos pedem explicações à justiça brasileira sobre o paradeiro de seus filhos, irmãos, maridos, esposas, e pais que foram vítimas de desaparecimento forçado pelo aparato repressivo do Estado no combate à guerrilha do Araguaia.

Em 1982 as famílias entraram na justiça com uma ação civil buscando saber o paradeiro de seus familiares, as circunstâncias dos desaparecimentos e os respectivos responsáveis. Como não houve resposta alguma, os familiares em 1995, recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, por sua vez, encaminhou o caso para a Corte Interamericana. Enquanto isso, em 2003, a justiça brasileira expediu a sentença da ação civil, condenando o Brasil a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, no prazo de 120 dias, o local do sepultamento desses militantes, o que até hoje não ocorreu.

A Corte Interamericana julgou o caso internacional e condenou o Brasil, em novembro de 2010 pelos desaparecimentos forçados dos membros da Guerrilha do Araguaia e pela falta de investigação e responsabilização dos envolvidos. A sentença diz claramente que a Lei de Anistia de 1979, está em contradição com a jurisdição internacional de direitos humanos quando impede que os torturadores e assassinos da ditadura sejam julgados.

Em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e reconheceu, em 1998, como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É grave: se o Estado brasileiro não cumpre a lei, que autoridade terá para pedir aos brasileiros que a cumpram?

O Coletivo RJ pela Memória, Verdade e Justiça entende que é indispensável o cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Estado brasileiro para esclarecer o que ocorreu com os mortos e desaparecidos políticos, para romper com a impunidade dos crimes da ditadura, fazer justiça e fortalecer a democracia. 


CUMPRA-SE
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2011                 coletivorj@rededemocratica.org
                                                                                                       www.coletivorj.blogspot.com

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Esboços para desempedrar

 
Em tempos de recolhimento e internação compulsórios de crianças e adolescentes em situação de rua que são usuários de drogas, não só o Rio de Janeiro (sede dos megaeventos esportivos que estão por vir) mas também várias regiões do país estão debatendo a questão do álcool e outras drogas.


A afirmação anterior seria totalmente verdadeira, não fosse por alguns detalhes...


Um deles é o fato de que não só crianças e adolescentes, mas também adultos têm sido alvo do Choque de Ordem instituído pela Prefeitura do Rio de Janeiro e têm denunciado arbitrariedades e abusos ocorridos nessas "operações".
Outro é que nem todos são usuários de drogas, mas mesmo assim são retirados à força das ruas, sob pretexto de que têm "direito à saúde e à vida", quando tais direitos não podem ser hierarquizados acima do direito à liberdade - sem falar no modo unilateral de entender o que é "saúde" e "vida": será que têm o mesmo sentido para os gestores destas "políticas" e para seu "público-alvo"?
O terceiro deles é que o foco do debate tem sido muito menos o "alcool e outras drogas" e muito mais o tenebroso, medonho, fatal, terrível, destruidor, inevitavelmente viciante vilão "crack".


Que bom seria se, efetivamente, estivéssemos discutindo para além do crack, o álcool e outras drogas, expressão que dá nome ao eixo da saúde pública que se preocupa com o uso que se faz deles. Não à toa, a expressão foi posta dessa forma e designa diferentes dispositivos do SUS com esse foco: a custo de anos de luta, pesquisas e debate chegou-se a este nome, que estrategicamente dá visibilidade aos efeitos do tão banalizado álcool, colocando-o ao lado de drogas ilícitas e também das lícitas. Não quero aqui (e nem é intenção desses movimentos da saúde) imprimir um tom moralista à questão do uso de substâncias psicoativas; não se trata de dizer que todas são condenáveis, intoleráveis, e que não se deve "nem pensar" nelas. Ao contrário, deve-se pensar, mais do que nelas, em como as temos utilizado: todas, e não uma única eleita como grande culpada de todo o mal de uma cidade ou de um país - como o crack e a campanha que um dos maiores jornais do país liderou, sob o lema alienante no próprio nome: "Crack, nem pensar".


No entanto, isso parece ser difícil, e segue-se concentrando discursos e políticas em torno do nefasto vilão. Recentemente, o Conselho Federal de Psiclogia lançou o "Relatório da 4ª inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas", que revela diversas violações de direitos humanos que ocorrem nas cada vez mais numerosas Comunidades Terapêuticas. Dentro de alguns dias, será lançado um plano nacional de Enfrentamento ao Crack (vejam ele de novo, como personagem principal) pela presidenta Dilma, cujo investimento prioritário, segundo relatos, serão as mesmas Comunidades Terapêuticas. E o eixo do SUS "álcool e outras drogas", que já prevê acúmulo, metodologias e dispositivos territoriais de enfrentamento ao crack (dentre as outras drogas?) E as diretrizes da Redução de Danos, que nunca de fato chegaram a ser ampla ou suficientemente difundidas, fortalecidas, multiplicadas e de certa forma até aceitas em muitas regiões, apesar de terem sido construídas em anos de trabalho? Sem falar, é claro, numa preocupante vontade de internação e encarceramento, tão em voga no fim do século XVIII e início do XIX que agora parece retornar, atravessada nos discursos manicomiais que recuperaram um fôlego - esperamos que curto e derradeiro... 


Na esteira de eventos que vão aparecendo mais e mais nesse campo de disputa de sentidos, recebi por email a divulgação de um evento cujo título era algo como "Drogas: prevenção e ressocialização"...
Só o nome já diz muito: RESSOCIALIZAÇÃO? Então o usuário já está "excluído"?

Foucault é que problematiza o próprio conceito de exclusão, apontando como os considerados "excluídos" (vidas infames?) estão incluídos - e de forma bastante estratégica e funcional - em uma engrenagem que tanto os produz quanto prescinde deles para seguir funcionando... as vidas desviantes, fugidias, revoltosas, sujas, indomadas, descartáveis são constantemente alvo de desejos e enunciados (cheios de boas intenções) de pedidos de correção, cura, solução, ajustamento, tutela, controle, limpeza, apaziguamento, pacificação, opacificação, docilização... "ressocialização". Quando já são efeito e base do social.


E drogas? Quando vamos falar de medicalização da infância com as receitas e indicações de Ritalina por toda parte? E da medicalização dos 80% de jovens que ingressam no sistema socioeducativo no Rio Grande do Sul (e que vem se tornando tendência em outros estados)? E da banalização dos medicamentos psiquiátricos que adultos têm tomado cada vez mais, em resposta à intolerância aos estados melancólicos, depressivos ou mesmo de mínimo sofrimento?
Quando vamos falar de como esses "sintomas do contemporâneo" são produzidos, mas, indo mais além da pop psicanálise, de como temos lidado com eles?
Quando vamos discutir (essa duríssima e árdua tarefa) a respeito de apanhar o sofrimento com as mãos, e durar nele?
Quando vamos conversar sobre o pegar nossas vidas nas mãos, nos perguntarmos o que temos feito delas e, quiçá, fazer algo diferente daquilo que temos (re)produzido?


A questão da droga não é uma questão do crack. A questão da droga tampouco é uma questão de quem mora nas ruas. A questão do uso de drogas é uma questão do mundo, e por isso estamos todos implicados. Não como culpados nem como vítimas, mas como co-produções e co-produtores.
Apenas quando desempedrarmos essa lógica repressiva e paliativa poderemos efetivamente produzir pausa necessária e pensamento ativo. Só assim deixaremos de buscar o alívio e o prazer imediatos das mais toscas práticas de exclusão para suportar a difícil prática de realmente cuidarmos de nós mesmos - e, quem sabe assim, fazermos de nossas vidas obras de arte.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Breves Notas: Audiência Pública sobre Recolhimento e Internação Compulsória de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua


No dia 23 de novembro estivemos na audiência pública sobre Recolhimento e Internação Compulsória de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da ALERJ. A audiência foi marcada pelo diálogo entre os representantes dos mais diferentes órgãos do Estado (estado e município do Rio de Janeiro) e da sociedade civil.

                                                    
                                                 A identificação desses jovens é feita na polícia.
                                                                      O objetivo seria livrá-los do uso do crack.
                                                                                                      Não é.

Notadamente, de maneira geral, os órgãos da administração pública continuam, apesar dos pesares, apoiando a política de recolhimento compulsório. Embora existam variações com relação às críticas, todos, incluindo a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual, na pessoa do Promotor Rodrigo Medina, entendem que não há o que fazer a priori com esses jovens, senão interna-los compulsoriamente, principalmente para que possam iniciar o tratamento com relação ao uso de crack. A Subsecretária de Assistência Social e Descentralização da Gestão, Nelma de Azeredo, e a Titular da Coordenadoria Especial de Prevenção à Dependência Química da Prefeitura, Sílvia Pontes, foram as que mais veementemente apoiaram as ações da Prefeitura, escusando-se de responder qualquer um dos muitos questionamentos que foram feitos pela sociedade civil ou pelo deputado Marcelo Freixo, que presidiu a audiência.

Já a sociedade civil, representadas pelo CRP, CRESS e pela OAB, – e também representantes da Coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde - trouxeram à tona a falta de informação que permita refletir concretamente sobre o suposto sucesso da política de recolhimento e fizeram questionamentos a respeito de outras formas de combater o uso do crack, formas essas já há muito tempo previstas em lei e fruto de anos de acumulo dos trabalhadores de saúde mental e de políticas relativa ao álcool e outras drogas. Nesse sentido, se falou muito da dificuldade de implementação de políticas de atendimento psicossocial. Um exemplo disso está no fato de o Rio de Janeiro possuir apenas 5 CAPSis e 1 Consultório de Rua, número inexpressivo para atender qualquer tipo de demanda – como a do uso crack. Levando esses dados em consideração, e lembrando ainda que muitos dos jovens recolhidos terminaram no DEGASE (onde não há tratamento algum de desintoxicação), o deputado Marcelo Freixo concluiu que a política de recolhimento compulsório tem olhos para as ruas, e não para as crianças e adolescentes que seguem vivendo nelas.

Por fim, ficou definida a criação de um grupo de trabalho formado por representantes do Ministério Público Estadual (MP-RJ), da Defensoria Pública, da sociedade civil e de entidades de direitos humanos, para acompanhar a questão.





quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Que papel é esse que vem chegando lá do céu?







Imagine que, ao andar pelas ruas do seu bairro, em determinado momento você se depara com alguns folhetos caindo do céu. Não, não é uma cena do mais novo filme de sucesso do cinema nacional nem seu cenário a zona sul carioca. Mas para a sua felicidade a sua comunidade está sendo pacificada, assim anunciam os panfletos que caíram sobre as ruas e casas do Complexo da Maré jogados por um helicóptero do BOPE. E você é parte importante deste processo, basta denunciar os malvados criminosos da sua comunidade, as armas e drogas por eles usadas e comercializadas e os esconderijos nos quais se refugiam. Com apenas um rápido chamado ao disque-denúncia você estará contribuindo para o estabelecimento da paz na sua comunidade. Ah, e não se preocupe que o anonimato lhe será garantido! O BOPE agradece a sua participação.


Para a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, os folhetos que caem do céu, assim como a providência divina, têm por finalidade confortar a população da Maré, assim favorecendo uma aproximação entre moradores e forças policiais. Afinal, para termos uma cidade bonita, higiênica, segura e com valores morais sólidos, para mostrarmos a todo o mundo que somos capazes de realizar grandes eventos esportivos, para dizermos ao globo que somos um país emergente que está eliminando a pobreza, é necessário a cooperação de todos os habitantes. Os governos locais bem sabem disso, não à toa estimularem a participação cidadã junto ao trabalho dos heróis do BOPE.


Tá, chega de história furada, né, Sérgio Cabral! Vamos a uma outra versão dos fatos, escrita à margem do discurso oficial e alinhada com as lutas travadas no contexto de precarização e violação de direitos, no cotidiano da favela e seus movimentos e expressões de resistência.


Segue abaixo a nota elaborada [com lista de assinaturas atualizada] por algumas entidades de defesa e promoção de direitos a partir de uma reunião realizada no dia 24.10. Ela se encontra disponível em <http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1110>

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Nota pública sobre operação do BOPE na Maré

Há 12 dias, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) realiza operações sistemáticas em várias das 16 favelas da Maré – território carioca com população estimada em 140 mil pessoas.


A ação policial, chamada pelas autoridades militares de “operação continuada”, tem sido marcada pela falta de informações e desencontro de pareceres das autoridades de segurança pública. Exemplo maior desta situação foi a distribuição aleatória de panfletos com a inscrição “Sua comunidade está sendo pacificada”.  Apesar da difusão da informação, posteriormente a polícia militar afirmou, através de nota, que a ação não tinha como objetivo a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e que o material impresso arremessado do helicóptero era, na verdade, sobra de outra ação, ocorrida no Morro da Mangueira, Zona Norte.


A assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Rio informou, por sua vez, que os folhetos despejados sobre as favelas da Maré foram, na verdade, parte de “uma tentativa de confortar a população local, aproximando-a da força policial”. Para além da evidente ‘descoordenação’ política e técnica da ação, moradores das favelas em que a ‘operação continuada’ tem se concentrado até agora, tem relatado constantes violações de direitos humanos.


Diante disso, as organizações abaixo assinadas, de dentro e de fora da  Maré, que atuam no campo da defesa e promoção de direitos, em reunião realizada no dia 24 de outubro, propõem os encaminhamentos abaixo relacionados, visando garantir a materialização de uma política de segurança pública que, de fato, assegure os direitos fundamentais dos moradores locais:


 1. Uma reunião imediata de representantes das organizações assinaladas com a direção da Secretaria de Segurança Pública, Comando do BOPE e Comando do 22° Batalhão;

2. A produção, pelo BOPE, de uma nota dirigida aos moradores da Maré esclarecendo os objetivos da Operação em curso, assim como a difusão nesse folheto das formas legais de ação por parte dos policiais, em especial as abordagens e eventuais entradas em domicílios;
3. Investigação e apuração de todos os casos de violações de direitos cometidas pelo BOPE;
4. A Suspensão imediata das operações até que as solicitações acima sejam devidamente atendidas.

Assinam essa nota:


Observatório de Favelas
Redes de Desenvolvimento da Maré
Comissão de Direitos Humanos da Alerj
Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência
Justiça Global
Luta Pela Paz
HUMANITAS - Direitos Humanos e Cidadania
Lona Cultural da Maré
Movimento Popular de Favelas
Imagens do Povo
Iser
Diuc – PR5/UFRJ                                                                                                
Fundação Bento Rubião
Conselho Regional de Serviço Social – RJ                                                        
Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRP/RJ                         
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH de Petrópolis                   
Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania - NIAC/UFRJ
Instituto dos Defensores de Direitos Humanos - DDH
Associação de Moradores do Morro do Timbau
Associação de Moradores do Parque Maré
Associação de Moradores do Baixa do Sapateiro
Associação de Moradores do Parque União
Associação de Moradores da Nova Holanda
Associação de Moradores do Parque Rubem Vaz                                            
Centro Municipal de Saúde Samora Machel
Centro Municipal de Saúde Nova Holanda
Centro Municipal de Saúde Hélio Smith
Centro Municipal de Saúde Gestão Capanema
Centro Municipal de Saúde Vila do João
Centro de Promoção da Saúde – Cedaps                                                       
Escola Municipal Teotônio Vilela
Associação dos Docentes da UFRJ
Associação dos Docentes da UFF                                                                   
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação/RJ – SEPE
Faculdade de Serviço Social - UERJ
Projeto Uerê
Instituto Vida Real
Instituto Raízes em Movimento                                                                       
Viva Comunidade
Viva Rio



Mais notícias no sítio do Observatório de Favela, através do link <http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1109>


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Comissão Nacional da Verdade e os seus 7 membros

Segue abaixo um breve quadro comparado de algumas Comissões de Verdade que se tornaram paradigmas para o estudo da Justiça Transicional. Considerando que apenas agora o Estado brasileiro passa a dar mais importância para este debate, entendemos ser de fundamental importância olhar o exemplo de outros países, que já estão mais adiantados nessa discussão e que tiveram modelos que podem se dizer bem sucedidos.

País  
Nº de membros
Período Investigado
Período médio por membro
Argentina 
13 membros
7 anos  
0,5 ano por membro
Chile 
8 membros
17 anos
2,12 anos por membro
El Salvador
3 membros
12 anos 
4 anos por membro
África do Sul
17 membros
34 anos
2 anos por membro
Brasil 
7 membros
42 anos
6 anos por membro


Como se pode observar, considerando o período estabelecido no art. 1º do recém nomeado PLC 88/11 que tramita no Senado Federal e que cria a Comissão Nacional da Verdade, e o número de membros previsto no art. 2º do referido texto, teremos uma comissão de verdade que contará com um total de 7 membros, responsáveis por investigar 42 anos de violações de direitos humanos no Brasil.

Esta breve análise nos faz ver que estamos lidando com a pior média (tendo em vista que os membros podem não dar conta da demanda de relatos) de trabalho por membro numa Comissão. A Argentina, que teve uma Comissão de Verdade bem sucedida, fica com uma média muito melhor.

É certo que a experiência de transição não pode ser transportada de um país para o outro de maneira tão simples, pois são processos complexos nos quais devem ser observados os diferentes contextos políticos, culturais e sociais em que cada um acontece.  Nem mesmo a comparação entre as diferentes Comissões é tão fácil, visto que a própria Comissão argentina, a CONADEP, não possuiu o mesmo trabalho que se espera da Comissão Nacional da Verdade brasileira. Como se sabe, os argentinos se valeram de processos judiciais para estabelecer responsabilidades individuais, utilizando-se, assim, de diferentes mecanismos de justiça transicional de forma complementar para alcançar a verdade histórica. A Comissão Nacional da Verdade, ao contrário, pretende apontar agentes do Estado que cometeram graves violações de direitos humanos, valendo-se, todavia, da Lei de Anistia - tal como interpretou o STF - para que estes não sejam responsabilizados por tais crimes.

Fica claro que, comparativamente, o período estabelecido por esse Projeto de Lei é grande demais, além de descaracterizar o período em que ocorreu um golpe civil-militar no Brasil - marco inicial de um contexto específico de violações de direitos humanosno país. Se olharmos o período (também largo: de 1960 até 1994) investigado pela comissão da África do Sul, vemos que a Comissão brasileira mereceria um número muito maior de membros para a tarefa - a sul-africana contou com 17 membros. Conforme indica a tabela acima, a quantidade de trabalho por membro na CNV é vertiginosamente maior do que em qualquer outra comissão. A Comissão que mais se aproxima da brasileira nesse quesito é a de El Salvador, que ademais de investigar um período menor em um país menor, é conhecida por ter contato com o auxílio de governos estrangeiros e organismos internacionais na busca e coleta de informações.

As avaliações feitas acima são apenas um esforço no intuito de pensar qual seria o melhor formato para a Comissão Nacional da Verdade. Antes de querer apresentar um formato ideal, o que se busca ao fazer comparações é tentar objetivar a discussão e apresentar critérios claros para as escolhas que estão sendo feitas neste processo, alcançando assim a transparência que se espera do poder público quando está criando um mecanismo que vise a garantia e promoção de direitos. O que a sociedade civil busca, no final das contas, ao clamar por um processo participativo e transparente, é poder saber: houve um estudo para que se chegasse ao número total de 7 membros? Esse é um número viável tão-somente ou é uma escolha aleatória?

Até o momento, não há qualquer esclarecimento ou diálogo sobre o tema. Eis o problema que pode deteriorar toda a confiança que a sociedade deveria ter nesta Comissão; que pode impedir que familiares, ex-presos, vítimas etc. sintam-se reconhecidos como tal, ou seja, como titulares de direitos; e que não colabore para uma reparação integral, tão importante quando se fala de comissões de verdade.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Problema da Atual Comissão Nacional da Verdade (PL 7376/10)


*Campanha para o facebook contra o atual Projeto de Lei.




O Projeto de Lei 7376/10, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, que cria a Comissão Nacional da Verdade, está arraigado de problemas que o tornam, possivelmente, inviável para satisfazer à implementação do Direito à Memória e à Verdade no Brasil, bem como para cumprir com o seu desejado caráter reparatório com relação às vítimas e familiares.

Como se sabe, a demanda por uma Comissão da Verdade partiu da sociedade civil, quando das discussões na Conferência Nacional dos Direitos Humanos de 2008. A partir daí, ela foi adotada como um projeto do governo e da então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, sendo incluída no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. Em 2010, já em resposta à Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros versus Brasil (Caso Araguaia), foi apresentado ao Congresso Nacional o referido Projeto de Lei, que finalmente estabeleceria uma Comissão da Verdade no país e, desta forma, abriria o caminho para que o Brasil não apenas cumprisse a sentença da Corte IDH, mas que também avançasse na implementação de mecanismos de Justiça de Transição, característicos de um governo democrático que tenha vivenciado um período de sistemáticas violações de direitos humanos – como a ditadura militar brasileira.  

Contudo, embora inicialmente esta fosse uma demanda da sociedade civil organizada, desde que o governo tomou as rédeas da discussão, a construção dessa Comissão deixou de ouvir as pessoas diretamente interessadas e a sociedade civil, as quais não participaram dos trabalhos das comissões que pensaram e elaboraram o Projeto de Lei dentro do parlamento e, é claro, foram desconsideradas no momento em que os termos da atual Comissão Nacional da Verdade foram negociações entre setores mais conservadores da política nacional, representados pelo Ministério da Defesa e alguns partidos políticos.

Apenas quando o processo de aprovação do PL 7376/10 já se encontrava em um estágio avançado, surgiu da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República uma retomada no diálogo com vítimas, pessoas envolvidas, familiares e organizações sociais, o que vem acontecendo atualmente por meio das esparsas manifestações dos diversos Coletivos e Comitês de Memória, Verdade e Justiça que se espalharam pelo país e, talvez, por uma possível escuta oficial desses grupos - se o Projeto não for votado essa semana, é claro.

Analisando agora o caminho que percorreu o trabalho de delineamento da atual Comissão Nacional da Verdade, quando pensamos que esta deveria constituir-se como um mecanismo de Justiça de Transição, notamos que infelizmente ela já nasce repleta de vícios, visto que todo o seu processo de elaboração visou, antes de qualquer coisa, dar uma resposta – mesmo que vazia - à comunidade internacional.

Em seu artigo sobre A Contribuição da Justiça de Transição para a Construção e Consolidação da Democracia, o pesquisador e diretor da ONG ICTJ Pablo De Greiff, diz que medidas de justiça transicional devem contar com a participação ativa das vítimas para que estas alcancem o reconhecimento que lhe é devido pelo Estado, e da sociedade para que se promova a confiança cívica. Assim, afirma que “o reconhecimento não é algo que simplesmente pode ser conferido pelas costas daquele a quem se pretende reconhecer, e a confiança não é algo que se exige, mas sim se ganha”. Mais adiante nesse texto, deixa ainda mais claro o problema observado nas reuniões entre governo, partidos e Ministérios, sem a escuta da sociedade. Neste sentido, Pablo diz que “a justiça transicional não é compatível com certos exercícios de poder que concentram as decisões detrás de portas fechadas, ou que obrigam as vítimas a um “aceite ou deixe”” com relação às propostas.

Este é, infelizmente, o atual cenário em que está se discutindo a Comissão Nacional da Verdade no Brasil. Isto se reflete no Projeto de Lei, o qual não vislumbrou uma forma de acolhimento das vítimas e familiares na sua criação ou na execução dos trabalhos e o qual sequer reconhece o período da ditadura militar brasileira (1964-1985) como um contexto específico de violência vinda do Estado, visto que o art. 1º do PL fala em investigar o período de 1946 a 1988. Ora, como se pode compreender um contexto de violações - e que as torna graves violações de direitos humanos pela sistematicidade como ocorreram no Brasil - se o próprio período em que se deram tais violações no país restou descaracterizado no Projeto de Lei? Não é possível haver transição política se não se sabe identificar o período em que se vivenciou um governo de facto e violador dos direitos humanos.

Deste modo, o vício na vontade política em implementar uma Comissão Nacional da Verdade - que é simplesmente justificar-se perante a comunidade internacional e abandonar formalmente o isolamento do país com relação ao uso de mecanismos de justiça de transição na América Latina - e na elaboração do Projeto de Lei - que, ademais das falhas apontadas, tampouco foi pensado dentro de uma política maior de reparação e não repetição das violações do passado, como poderia ser uma proposta conjunta de processos judiciais, reformas institucionais, espaços de memória etc. -, nos tornam pessimistas com relação ao futuro da atual Comissão e nos fazem desejar, ao menos, que se adie a votação do PL 7376/10. Somente se se garantir a participação da sociedade na elaboração de seus termos, será possível resolver as tantas armadilhas que existem no atual Projeto de Lei, ofertando às vítimas e aos familiares, mediante a inclusão deles no processo, o reconhecimento público que os repare do dano que lhes foi causado.