terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Problema da Atual Comissão Nacional da Verdade (PL 7376/10)


*Campanha para o facebook contra o atual Projeto de Lei.




O Projeto de Lei 7376/10, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, que cria a Comissão Nacional da Verdade, está arraigado de problemas que o tornam, possivelmente, inviável para satisfazer à implementação do Direito à Memória e à Verdade no Brasil, bem como para cumprir com o seu desejado caráter reparatório com relação às vítimas e familiares.

Como se sabe, a demanda por uma Comissão da Verdade partiu da sociedade civil, quando das discussões na Conferência Nacional dos Direitos Humanos de 2008. A partir daí, ela foi adotada como um projeto do governo e da então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, sendo incluída no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. Em 2010, já em resposta à Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros versus Brasil (Caso Araguaia), foi apresentado ao Congresso Nacional o referido Projeto de Lei, que finalmente estabeleceria uma Comissão da Verdade no país e, desta forma, abriria o caminho para que o Brasil não apenas cumprisse a sentença da Corte IDH, mas que também avançasse na implementação de mecanismos de Justiça de Transição, característicos de um governo democrático que tenha vivenciado um período de sistemáticas violações de direitos humanos – como a ditadura militar brasileira.  

Contudo, embora inicialmente esta fosse uma demanda da sociedade civil organizada, desde que o governo tomou as rédeas da discussão, a construção dessa Comissão deixou de ouvir as pessoas diretamente interessadas e a sociedade civil, as quais não participaram dos trabalhos das comissões que pensaram e elaboraram o Projeto de Lei dentro do parlamento e, é claro, foram desconsideradas no momento em que os termos da atual Comissão Nacional da Verdade foram negociações entre setores mais conservadores da política nacional, representados pelo Ministério da Defesa e alguns partidos políticos.

Apenas quando o processo de aprovação do PL 7376/10 já se encontrava em um estágio avançado, surgiu da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República uma retomada no diálogo com vítimas, pessoas envolvidas, familiares e organizações sociais, o que vem acontecendo atualmente por meio das esparsas manifestações dos diversos Coletivos e Comitês de Memória, Verdade e Justiça que se espalharam pelo país e, talvez, por uma possível escuta oficial desses grupos - se o Projeto não for votado essa semana, é claro.

Analisando agora o caminho que percorreu o trabalho de delineamento da atual Comissão Nacional da Verdade, quando pensamos que esta deveria constituir-se como um mecanismo de Justiça de Transição, notamos que infelizmente ela já nasce repleta de vícios, visto que todo o seu processo de elaboração visou, antes de qualquer coisa, dar uma resposta – mesmo que vazia - à comunidade internacional.

Em seu artigo sobre A Contribuição da Justiça de Transição para a Construção e Consolidação da Democracia, o pesquisador e diretor da ONG ICTJ Pablo De Greiff, diz que medidas de justiça transicional devem contar com a participação ativa das vítimas para que estas alcancem o reconhecimento que lhe é devido pelo Estado, e da sociedade para que se promova a confiança cívica. Assim, afirma que “o reconhecimento não é algo que simplesmente pode ser conferido pelas costas daquele a quem se pretende reconhecer, e a confiança não é algo que se exige, mas sim se ganha”. Mais adiante nesse texto, deixa ainda mais claro o problema observado nas reuniões entre governo, partidos e Ministérios, sem a escuta da sociedade. Neste sentido, Pablo diz que “a justiça transicional não é compatível com certos exercícios de poder que concentram as decisões detrás de portas fechadas, ou que obrigam as vítimas a um “aceite ou deixe”” com relação às propostas.

Este é, infelizmente, o atual cenário em que está se discutindo a Comissão Nacional da Verdade no Brasil. Isto se reflete no Projeto de Lei, o qual não vislumbrou uma forma de acolhimento das vítimas e familiares na sua criação ou na execução dos trabalhos e o qual sequer reconhece o período da ditadura militar brasileira (1964-1985) como um contexto específico de violência vinda do Estado, visto que o art. 1º do PL fala em investigar o período de 1946 a 1988. Ora, como se pode compreender um contexto de violações - e que as torna graves violações de direitos humanos pela sistematicidade como ocorreram no Brasil - se o próprio período em que se deram tais violações no país restou descaracterizado no Projeto de Lei? Não é possível haver transição política se não se sabe identificar o período em que se vivenciou um governo de facto e violador dos direitos humanos.

Deste modo, o vício na vontade política em implementar uma Comissão Nacional da Verdade - que é simplesmente justificar-se perante a comunidade internacional e abandonar formalmente o isolamento do país com relação ao uso de mecanismos de justiça de transição na América Latina - e na elaboração do Projeto de Lei - que, ademais das falhas apontadas, tampouco foi pensado dentro de uma política maior de reparação e não repetição das violações do passado, como poderia ser uma proposta conjunta de processos judiciais, reformas institucionais, espaços de memória etc. -, nos tornam pessimistas com relação ao futuro da atual Comissão e nos fazem desejar, ao menos, que se adie a votação do PL 7376/10. Somente se se garantir a participação da sociedade na elaboração de seus termos, será possível resolver as tantas armadilhas que existem no atual Projeto de Lei, ofertando às vítimas e aos familiares, mediante a inclusão deles no processo, o reconhecimento público que os repare do dano que lhes foi causado.

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