*Campanha para o facebook contra o atual Projeto de Lei.
O Projeto de Lei 7376/10, atualmente em trâmite no
Congresso Nacional, que cria a Comissão Nacional da Verdade, está arraigado de
problemas que o tornam, possivelmente, inviável para satisfazer à implementação
do Direito à Memória e à Verdade no Brasil, bem como para cumprir com o seu desejado
caráter reparatório com relação às vítimas e familiares.
Como se sabe, a demanda por uma Comissão da Verdade
partiu da sociedade civil, quando das discussões na Conferência Nacional dos
Direitos Humanos de 2008. A partir daí, ela foi adotada como um projeto do
governo e da então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República, sendo incluída no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. Em 2010, já
em resposta à Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e
outros versus Brasil (Caso Araguaia),
foi apresentado ao Congresso Nacional o referido Projeto de Lei, que finalmente
estabeleceria uma Comissão da Verdade no país e, desta forma, abriria o caminho
para que o Brasil não apenas cumprisse a sentença da Corte IDH, mas que também avançasse
na implementação de mecanismos de Justiça de Transição, característicos de um
governo democrático que tenha vivenciado um período de sistemáticas violações
de direitos humanos – como a ditadura militar brasileira.
Contudo, embora inicialmente esta fosse uma demanda
da sociedade civil organizada, desde que o governo tomou as rédeas da discussão,
a construção dessa Comissão deixou de ouvir as pessoas diretamente interessadas
e a sociedade civil, as quais não participaram dos trabalhos das comissões que
pensaram e elaboraram o Projeto de Lei dentro do parlamento e, é claro, foram
desconsideradas no momento em que os termos da atual Comissão Nacional da
Verdade foram negociações entre setores mais conservadores da política nacional,
representados pelo Ministério da Defesa e alguns partidos políticos.
Apenas quando o processo de aprovação do PL 7376/10 já se
encontrava em um estágio avançado, surgiu da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República uma retomada no diálogo com vítimas, pessoas
envolvidas, familiares e organizações sociais, o que vem acontecendo atualmente por meio
das esparsas manifestações dos diversos Coletivos e Comitês de Memória, Verdade e
Justiça que se espalharam pelo país e, talvez, por uma possível escuta oficial desses
grupos - se o Projeto não for votado essa semana, é claro.
Analisando agora o caminho que percorreu o trabalho
de delineamento da atual Comissão Nacional da Verdade, quando pensamos que esta
deveria constituir-se como um mecanismo de Justiça de Transição, notamos que
infelizmente ela já nasce repleta de vícios, visto que todo o seu processo de
elaboração visou, antes de qualquer coisa, dar uma resposta – mesmo que vazia -
à comunidade internacional.
Em seu artigo sobre A Contribuição da Justiça de
Transição para a Construção e Consolidação da Democracia, o pesquisador e
diretor da ONG ICTJ Pablo De Greiff, diz que medidas de justiça transicional
devem contar com a participação ativa das vítimas para que estas alcancem o
reconhecimento que lhe é devido pelo Estado, e da sociedade para que se promova
a confiança cívica. Assim, afirma que “o reconhecimento não é algo que
simplesmente pode ser conferido pelas costas daquele a quem se pretende
reconhecer, e a confiança não é algo que se exige, mas sim se ganha”. Mais
adiante nesse texto, deixa ainda mais claro o problema observado nas reuniões entre
governo, partidos e Ministérios, sem a escuta da sociedade. Neste sentido,
Pablo diz que “a justiça transicional não é compatível com certos exercícios de
poder que concentram as decisões detrás de portas fechadas, ou que obrigam as
vítimas a um “aceite ou deixe”” com relação às propostas.
Este é, infelizmente, o atual cenário em que está se
discutindo a Comissão Nacional da Verdade no Brasil. Isto se reflete no Projeto
de Lei, o qual não vislumbrou uma forma de acolhimento das vítimas e familiares
na sua criação ou na execução dos trabalhos e o qual sequer reconhece o período
da ditadura militar brasileira (1964-1985) como um contexto específico de
violência vinda do Estado, visto que o art. 1º do PL fala em investigar o
período de 1946 a 1988. Ora, como se pode compreender um contexto de
violações - e que as torna graves violações de direitos humanos pela sistematicidade como ocorreram no Brasil - se o próprio período em que se deram tais violações no país
restou descaracterizado no Projeto de Lei? Não é possível haver transição política se
não se sabe identificar o período em que se vivenciou um governo de facto e
violador dos direitos humanos.
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